Por Tim Culpan.
A Apple está enfrentando um enigma.
Por um lado, quer vender telefones na Índia, o segundo maior mercado do mundo e uma região que é cada vez mais crucial para o crescimento da empresa. Por outro lado, esses telefones possuem preços muito acima do orçamento da maioria dos consumidores.
Para resolver o problema, a Apple queria importar e vender telefones recondicionados, tornando-se a primeira empresa na Índia a fazer isso. A ideia era brilhante porque teria dado aos consumidores indianos acesso a iPhones com preços mais moderados, evitando atacar a posição premium da Apple que um modelo de baixo custo teria causado, e ajudaria a colocar seu iOS entre os hábitos de um mercado nascente que ainda precisa cimentar sua lealdade em relação ao sistema Android rival.
Mas os indianos não aceitaram nada disso. A Bloomberg News informa que a segunda tentativa da Apple em dois anos de obter a permissão necessária está enfrentando uma forte resistência de grupos locais.
A razão parece simples: a Índia não quer se tornar o destinatário de gadgets de segunda mão do mundo. Na realidade, o interesse próprio pode ter mais a ver com isso. A reação está sendo liderada por fabricantes de telefones locais entrincheirados que se beneficiam dos preços acima do mercado da própria Apple.
Envolto em um verniz de patriotismo, a visão estreita indiana já fez tropeçar outras empresas ocidentais que procuravam implementar planos bem-intencionados, mas equivocados. A oferta da Facebook de introduzir seu serviço de Internet móvel gratuito e de escala reduzida – muito bem recebido da Ásia até a África – foi derrotado pela oposição local.
A Índia não é a única recusando as tentativas da Apple de importar aparelhos usados. Na verdade, muitas empresas de eletrônicos proibiram seus parceiros de reciclagem de exportar lixo eletrônico entre regiões, como parte de um esforço global para impedir que os países em desenvolvimento se tornassem a lata de lixo de aparelhos descartados das nações mais ricas.
Para ser justo, o plano da Apple para a Índia não tem a ver com o despejo de resíduos. As regras da Convenção da Basileia especificam a diferença entre resíduos e reutilização, com documentação clara e rigorosa exigida para cada dispositivo individual. Os rigorosos processos existentes da Apple devem garantir que seu plano atende a esses requisitos.
Ainda assim, como descobriu o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, os argumentos não são ganhos pela realidade, mas pela percepção, e não podemos argumentar com o potencial de um bilhão de consumidores de celulares.
Para a Apple, a saída pode ser encontrada a 15.000 quilômetros da Índia. Há cinco anos, a Foxconn – em nome da Apple – começou a produzir iPhones no Brasil. Sem o trabalho, a infraestrutura e a cadeia de fornecimento, o Brasil foi, e ainda é, um lugar terrível para se produzir. No entanto, graças a tarifas e pressão locais, a montadora de Taiwan não tinha escolha.
Enquanto os brasileiros sonharam com enormes fábricas empregando centenas de milhares de trabalhadores, a Foxconn encontrou uma solução alternativa. Em vez de reunir as dezenas de diferentes componentes e compilá-los no país, a Foxconn simplesmente recebe dispositivos quase concluídos e possui uma força de trabalho muito menor. Com a etiqueta “Made in Brazil”, esses iPhones ainda são em sua maioria chineses.
Até recentemente, a Apple tinha uma abordagem “destrua tudo” para a reciclagem de iPhones. Os aparelhos eram destruídos com os componentes esmagados ou derretidos até voltar às matérias-primas. Agora, a empresa tem Liam, um robô que, segundo a Apple, pode desmontar 1,2 milhão de iPhones anualmente e separá-los em partes.
De acordo com a IHS, 98 por cento dos custos de um iPhone estão nos componentes. A montagem custa menos de US$ 5. Se a Apple, com a ajuda de Liam, pode desmontar iPhones antigos em suas partes constituintes e reconstruí-los na Índia com as normas rigorosas da Apple, então a empresa pode apaziguar a política de Made in India do primeiro-ministro Narendra Modi. Tal movimento também ajudaria a evitar tarifas sobre telefones importados, que dobraram recentemente, e economizar no custo de componentes de fabricação.
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