"Somos um país de perdedores", diz dono da Havan

Por Gerson Freitas Jr., Julia Leite e Felipe Marques.

As pessoas esperam horas para tirar uma foto com ele. Algumas choram quando finalmente o conhecem. Luciano Hang costuma distribuir abraços aos fãs que se aproximam. Frequentemente, isso leva a mais lágrimas.

Hang, o excêntrico dono da rede de lojas Havan, é uma celebridade do setor de varejo. Nos últimos tempos, tornou-se também um evangelista do livre mercado e, talvez, o defensor mais apaixonado de Jair Bolsonaro na comunidade empresarial. Hang faz o que pode para encorajar seus seguidores a apoiar os planos do presidente para transformar o Brasil, incluindo a flexibilização da posse de armas e das leis de proteção ambiental.

Para Hang, trata-se de escolha óbvia. “Somos um país de perdedores. Podemos ser vencedores.”

O empresário é um furacão nas redes sociais. Suas postagens são uma mistura de declarações inspiradoras, estímulos aos funcionários, ataques acalorados à esquerda e repetidas manifestações de apoio à reforma da previdência e outras vistas como necessárias para mudar o País. Em algumas mensagens, Hang, que aos 56 anos foi apelidado pelos críticos de ‘Véio da Havan’, aparece fantasiado: de Robin Hood, de gaúcho e até de Dom Pedro I, com traje completo e direito a um cavalinho de madeira.

A linha política é sempre a mesma. Livre mercado é o futuro. A esquerda é a raiz de todo mal. Donald Trump é o melhor. Barack Obama destruiu os Estados Unidos. Bolsonaro é um “homem simples, humilde, alegre e patriota”.

Embora Hang possa parecer um palhaço em algumas situações (basta assistir ao vídeo da festa que organizou para comemorar o primeiro aniversário da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), o empresário é levado a sério nos círculos políticos.

“É um personagem muito polêmico”, afirma Eduardo Grin, cientista político da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas. Mas Hang se tornou a voz de “uma elite empresarial que está muito alinhada com a ascensão das forças conservadoras”.

Hang também sabe como mobilizar uma plateia, como ficou claro durante a inauguração, em abril, de uma loja em Indaiatuba, no interior de São Paulo. Como o dono, não há nada de sutil no estabelecimento de quase 5 mil metros quadrados. A fachada é parecida com outras da rede, (vagamente) inspirada na Casa Branca. Por estar localizada num shopping center, não pode ostentar o símbolo pelo qual a Havan é mais conhecida: as imponentes réplicas da Estátua da Liberdade.

Dentro da loja, centenas de funcionários vestindo camisetas verdes onde se lia “nós acreditamos no Brasil” — Hang também vestia uma — vibraram com a subida do patrão ao palco disposto entre gôndolas de lençóis e roupas de cama. Por 40 minutos, Hang pulou, fez piadas, apresentou a mãe e a esposa, e pregou sobre as virtudes da coragem, do patriotismo e do respeito aos pais.

A plateia respondia com gritos de guerra — “força!”, “coragem!,” “determinação!” — e saudações de “sucesso!”. As caixas de som ecoavam a música “Alegria”, tema de um espetáculo do Circo de Soleil. Os funcionários da Havan mergulham de cabeça. “Ele é uma pessoa maravilhosa”, afirma Naiara Nascimento, 23 anos, recém-contratada como caixa na nova loja.

Hang explica sua estratégia motivacional, enquanto uma fila de consumidores se forma à espera de um selfie sob os olhares atentos dos seguranças. “Eu prego isso como se fosse uma igreja”, disse. “No Brasil, a igreja diz que é mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus. Com essa pregação, não tem como a gente ser um país diferente.”

Em outras palavras, os brasileiros não deveriam ter vergonha de serem ambiciosos, bem-sucedidos e abastados.

Os canalhas comunistas, como Hang costuma se referir à esquerda, são a principal razão pela qual o Brasil está mergulhado em uma crise. “Nos últimos 30, 40 anos, as faculdades formaram repórteres comunistas, economistas comunistas, engenheiros comunistas, médicos comunistas, juízes comunistas, ‘ecochatos’ comunistas”, disse, olhando atentamente para a jornalista. “Quando a gente acabar com esse círculo vicioso, a gente acaba com a esquerda no Brasil. Essa é a minha meta de vida.”

Filho de operários de uma indústria têxtil, Hang trabalhou na mesma fábrica que empregou seus pais e avô, em Brusque. Em 1986, abriu uma loja de tecidos com um sócio que deu origem à Havan.

A rede tem 126 lojas em 17 estados, e a expectativa é chegar a 145 ainda este ano. A rede vende de tudo, de iPhones a tapetes de banho e guarda-chuvas, e é o núcleo do império de Hang, que também investe em pequenas usinas hidrelétricas, postos de gasolina, uma administradora de shopping centers e um fundo de investimento que financia as compras com o cartão de crédito da Havan. Hang tem uma riqueza estimada em US$ 2 bilhões (R$ 7,7 bilhões), de acordo com o Índice de Bilionários da Bloomberg.

Hang disse que não tem intenção de abrir o capital da Havan, cujas vendas somaram R$ 7,2 bilhões em 2018 e podem atingir R$ 12 bilhões este ano. Para Hang, a obrigação de dar satisfação a acionistas e analistas de mercado comprometeria a liberdade de tomar as decisões que levaram a Havan ao ponto em que chegou. “As ideias totalmente loucas não são executadas porque a maioria das pessoas não é louca, é apenas normal”, disse. “E é por causa dos anormais que o mundo anda para frente.”

O crescente ativismo político de Hang traz seus riscos. Os clientes vão continuar a comprar na rede se eventualmente discordarem de suas posições?

“Perder a simpatia daqueles que não estão ideologicamente alinhados parece ser um risco calculado”, afirma Silvio Laban, professor do Insper, em São Paulo. Ao mesmo tempo, “a maneira como ele expressa suas posições políticas acabou aumentando sua visibilidade e, naturalmente, também a da Havan”.

Hang não mostra preocupação. “Não percebi nenhuma queda das vendas desde que virei ativista político.” As vendas podem subir ou cair, disse, não importa. “É com o Brasil que estou preocupado.”

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