Por Fabiola Moura.
Marco Schroeder se orgulha do cuidado com a montagem da assembleia geral de credores da Oi. Cerca de 6.000 pessoas deveriam se reunir no RioCentro, no Rio de Janeiro, no mês passado, e Schroeder, o presidente, estava ansioso para demonstrar o profissionalismo de uma empresa pronta para se reerguer.
A assembleia foi adiada e o que ficou foi apenas o ensaio geral. Dias depois, Schroeder, de 53 anos, mostrava melancolicamente no celular fotos do palco e da iluminação do centro de convenções. Depois de 16 meses de luta para tirar sua empresa de uma recuperação judicial recorde de R$ 60 bilhões, não havia ainda qualquer resolução à vista.
Agora, semanas mais tarde, a longa trama da novela da Oi continua se adensando, com a assembleia prorrogada mais uma vez e muita tensão entre as várias partes. Nenhuma das propostas de reestruturação aprovadas até agora foi recebida com entusiasmo pelos credores e as tentativas de Schroeder de negociar com os detentores de dívida levaram a um impasse com o conselho que chegou a colocar em risco seu cargo.
Schroeder, um gaucho tranquilo de sorriso fácil, está no centro da luta pela alma de Oi, parte de um ex-monopólio estatal que acumulou dívidas e multas do governo por serviço ruim ao longo de décadas de descuido dos seus administradores.
O Brasil tem atraído os holofotes com escândalos de corrupção e má gestão corporativa, mas o caso da Oi tem mais a ver com oportunidades perdidas e decisões ruins. Ela é a única empresa de telefonia totalmente brasileira, competindo com gigantes multinacionais como Telefônica, América Movil eTelecom Italia. A Oi opera a segunda maior rede de fibra ótica do mundo, tem mais de 100.000 funcionários e 62 milhões de clientes, e é a única provedora de serviços de telefonia para mais de 2.000 cidades espalhadas pelo Brasil.
O orgulho nacional impediu que ela fosse engolida por uma operadora estrangeira mais de uma vez e o seu grande endividamento não deixou a empresa investir o suficiente em sua rede, deixando-a para trás dos concorrentes em qualidade e levando a multas mais severas dos reguladores.
Ainda não está claro em qual proposta os credores votarão na assembleia de dezembro. O plano que foi aprovado pelo conselho tem pouca chance de ganhar o apoio dos credores porque não dá o controle a eles e o governo ainda está revendo a parte do plano que lhe toca. O plano inclui o pagamento de uma taxa antecipada aos detentores de títulos que concordarem em participar de uma injeção de capital e troca de dívida por ações no montante de cerca de US$ 2,2 bilhões.
Schroeder e a maioria da diretoria da Oi se opõem a partes dessa proposta porque dizem que o pagamento antecipado da taxa significaria tirar dinheiro do caixa da Oi. O CEO estava negociando um plano com os detentores de títulos que teria mais chances de ser aceito, mas o conselho controlado pelos acionistas rejeitou o plano e avançou com sua própria proposta. Os credores querem converter sua dívida em uma participação maior na Oi do que o plano do conselho permite.
Se os credores não aprovarem um plano em dezembro, eles têm outra chance no dia 1 de fevereiro. Se nenhuma proposta for aprovada, a empresa pode ir à falência. Schroeder continua otimista de que a coisa não vai chegar a esse ponto, mas disse que a aprovação do plano vai exigir sacrifício de cada uma das partes.
“Todos no final vão reclamar”, disse Schroeder em seu escritório em outubro. “Os acionistas vão ficar infelizes e os credores vão ficar infelizes. A questão é isso ser de maneira relativamente equilibrada e eles aceitarem a nossa proposta”.
China Telecom
Outro potencial interessado anda à espreita, um que poderia ajudar a Oi a acelerar seus investimentos. Em uma tarde no final de outubro, dias após a assembleia de acionistas da Oi ter sido adiada por ordem judicial, representantes da China Telecom Corp. visitavam a sede da empresa no luxuoso bairro do Leblon, fazendo a due diligence para uma potencial oferta pela cia.
Schroeder estava mais preocupado naquele dia com a paz entre as várias facções que lutavam pela Oi. Elas incluem o acionista Nelson Tanure, um empresário bom de briga; dois grupos de credores internacionais que exigem o controle; os reguladores governamentais que querem receber bilhões de dólares em multas; ex-funcionários, fornecedores e outros credores que têm na empresa seu meio de subsistência.
O caso chamou a atenção do Presidente Michel Temer, que reuniu uma força-tarefa para trabalhar com todas as partes para encontrar uma solução. A Anatel apoiou Schroeder, que tem cada vez mais se confrontado com Tanure, levando à especulação de que o CEO pode acabar pedindo demissão ou sendo substituído. Até agora, Schroeder resiste.
A lista de credores da Oi é uma espécie de quem é quem do mundo de dívidas de alto risco, com figurinhas conhecidas como Aurelius Capital Management, Golden Tree Partners, BlackRock Inc. e Brookfield Asset Management. A Elliott Management Corp. e a Cerberus Capital Management flertaram com a idéia de ajudar a empresa a sair da bancarrota com investimentos de bilhões de dólares, mas recuaram. Um potencial investidor do Egito, Naguib Sawiris, também apareceu e desapareceu.
Tanure tem sido a figura constante na batalha pelo futuro de Oi, orquestrando o caos do elegante escritório de sua empresa de investimentos, o Société Mondiale, no Rio. As janelas panorâmicas em sua sala de reuniões, forrada de livros antigos e esculturas clássicas, oferecem vistas serenas da Baía de Guanabara e do Pão de Açúcar. Tanure, em manga de camisa, recebe os visitantes com um charme que desarma, conversando fluentemente em inglês e português sobre política brasileira e arte moderna.
Mas Tanure não foge da raia. Ele construiu para si uma reputação de investidor litigante, encarando boas brigas em empresas em dificuldade como o jornal financeiro Gazeta Mercantil e a Petro Rio SA, anteriormente conhecida como HRT Oil & Gas. Tanure começou a investir na Oi no ano passado, quando a ação estava no fundo do poço e, eventualmente, garantiu vagas no conselho e alianças suficientes para imprimir sua visão sobre o futuro da empresa. Ele reivindica para si a tarefa de restaurar a grandeza da Oi.
“Eu sou um investidor brasileiro e aqui eu entendo”, disse Tanure. “A Oi é uma empresa brasileira com enorme potencial de crescimento, e é por isso que começamos a investir nela. Com este grande potencial, certamente poderia chegar à liderança do setor de telecomunicações do país”.
O X do problema
Para cumprir seus objetivos, Tanure quer continuar dirigindo da Oi, e este é o X do problema, já que os credores dizem que merecem ficar com a maioria da empresa depois da reestruturação. Na semana passada, os membros do conselho que representam o Société Mondiale ajudaram a dar um golpe de mestre para garantir a aprovação do plano apoiado por Tanure, elegendo dois diretores estatutários de sua confiança, o que lhes permitiu rejeitar a proposta feita pelos credores. Os maiores grupos de credores da Oi chamaram a manobra de “uma violação ultrajante dos padrões de governança corporativa”.
Tanure, de 65 anos, defende seu plano como a única proposta concreta para levar a Oi de volta à saúde financeira e disse que está disposto a trabalhar com quem esteja comprometido com a recuperação da Oi. Mas os credores dizem que ele não está disposto a chegar a um acordo e que o que realmente pretende é levar a empresa à falência, fatiá-la e vender os pedaços.
O presidente Temer designou a Advogada-Geral da União Grace Mendonça para liderar uma força-tarefa do governo que tem por objetivo ordenar a bagunça da Oi. Mendonça foi ao Rio no mês passado para se encontrar com o juiz Fernando Viana, que está presidindo o caso.
A visita ao gabinete do juiz passa por um caminho tortuoso em um complexo de cinco edifícios, perto do aeroporto Santos Dumont, com corredores sem fim revestidos de granito marrom. A música pop tocando em baixo volume serve de fundo para o grito dos ascensoristas, que anunciam em que direção vão os elevadores. A maior recuperação judicial da história do Brasil está sendo processada em uma pequena sala no sétimo andar do prédio central.
A antesala do gabinete do juiz está apinhada com pilhas de processos com capas de papel rosa pálido, cada uma contendo cerca de 200 páginas, de acordo com o analista judiciário que assessora o juiz. Felizmente, o caso de Oi é totalmente digital, porque já produziu o equivalente a 200.000 páginas de documentos, mais do que caberia na sala. O tamanho do caso e a quantidade de partes interessadas chegaram a deixar lento o site do tribunal, e a equipe de suporte técnico está trabalhando para corrigir o problema, disse o assessor.
O juiz Viana, de ar jovial, corte de cabelo moderno, camisa e gravata bem cortados, e óculos finos e retangulares, recusou-se a discutir os detalhes do caso. Em um breve encontro em seu gabinete, decorado com reproduções de “A Noite Estrelada” e “Jardim de Íris” de Van Gogh, ele contou que considera seu papel no maior caso de falência do Brasil como uma questão de destino.
Os detalhes do caso são tão únicos e os fatos tão complexos, que as partes envolvidas falam da Oi com um senso de gravidade que vai além de uma típica empresa em dificuldades financeiras. Milhares de trabalhadores, milhões de clientes, a infra-estrutura do país e até mesmo o orgulho nacional estão em jogo.
Em algum momento durante a saga, Schroeder e sua esposa deixaram de caminhar pelo calçadão de Ipanema. Ele ficou cansado de ser abordado a cada 10 minutos por pessoas interessadas em saber o futuro de Oi.
“Estamos sob pressão todos os dias”, diz Schroeder. “O meu lema é: faça o certo e não tema ninguém”.
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