Por Isis Almeida e Agnieszka De Sousa.
A era das vacas gordas na agricultura está enxugando os lucros dos operadores.
Anos de colheitas abundantes de grãos, preços baixos e pouca volatilidade complicaram a vida das maiores casas de negociação de produtos agrícolas do mundo (tradings), que ganham dinheiro comprando e vendendo itens como trigo, soja e milho. Agora, empresas como a processadora americana de grãos Archer-Daniels-Midlands e a gigante chinesa de alimentos Cofco estão se reestruturando ou diminuindo suas ambições.
Durante os anos de alta dos preços das commodities, o setor saía ganhando com as oscilações de preços e se expandiu, confiante que os lucros aumentariam à medida que o crescimento populacional elevasse a demanda por comida. Porém, a produção recorde por grandes exportadores como EUA, Rússia e Argentina, muitos mercados estão atolados em superávits. Companhias que operam vastas redes globais que transferem a safra das fazendas para as fabricantes de alimentos se deparam com um mercado em que o comprador está com a vantagem.
“Quando os preços das commodities estão altos, geralmente existe alto nível de volatilidade e os intermediários se dão bem”, disse Philippe Chalmin, professor de história econômica da Universidade Paris-Dauphine. “Quando os mercados estão no modo atual — sem variação, sem movimento, sem muita volatilidade — existem menos oportunidades para os negociantes ganharem seu sustento.”
Para empresas focadas na negociação de mercadorias, a situação é dolorosa. No ano passado, a Louis Dreyfus, que tem capital fechado, teve o menor lucro em uma década. Para captar recursos, a empresa sediada em Roterdã vendeu 400 milhões de euros (US$ 426 milhões) em títulos no mês passado. A empresa também acertou a venda de uma participação em sua joint venture no Brasil para um grupo japonês por US$ 250 milhões, segundo pessoas a par da transação.
A ADM, sediada em Chicago, informou recentemente que sua mesa de operações internacionais teve prejuízo no quarto trimestre — o segundo em um período de um ano — por causa de “má execução”. A revelação veio após diversos executivos importantes terem partido nos últimos meses, incluindo Victor Petzold, que foi responsável global por milho, e Frederik Groth, responsável por negociação na Ásia.
Para David Driscoll, analista do Citigroup em Nova York, a ADM “deve se recuperar bem” em 2017, com a melhora dos lucros gerados pelo processamento de soja, o volume maior de safras que passam por seus terminais de armazenagem e a demanda maior por xarope de milho. O lucro por ação, excluindo alguns itens, aumentará quase um terço neste ano, de acordo com a estimativa média de 16 analistas sondados pela Bloomberg.
Prejuízo incomum
A Cargill, que ainda é controlada pela família que fundou a empresa há 152 anos, divulgou prejuízo no trimestre encerrado em 31 de maio, um resultado incomum para a companhia, em parte devido a apostas erradas na direção dos mercados de soja. Desde então, os lucros melhoraram — até certo ponto porque a empresa sediada em Minneapolis atua em segmentos não agrícolas, como petróleo, metais, ração animal e processamento de carne.
A Cofco, que há alguns anos adotou uma estratégia de compras no exterior, voltou o foco para o mercado doméstico na China. Uma de suas aquisições, a negociadora holandesa de grãos Nidera, revelou no ano passado uma perda de US$ 200 milhões com negócios não autorizados com biocombustíveis e recentemente descobriu um rombo de US$ 150 milhões nas contas no Brasil. A divisão agrícola que a Cofco comprou da Noble Group também enfrenta dificuldades, após a operação em Hong Kong ter sofrido um ataque especulativo de investidores que vendem a descoberto.
Os preços estagnados são um motivo importante para o quadro atual das tradings.
Intermediários geralmente prosperam em mercados voláteis e podem ganhar mais comprando e vendendo contratos futuros do que efetivamente movimentando commodities fisicamente. Nesse ramo, quanto mais obscuro o mercado, melhores as perspectivas, dado que empresas grandes com redes amplas costumam saber mais sobre possíveis perturbações ou variações na oferta. Esse tipo de informação proporciona vantagens na hora de encontrar as transações lucrativas que exploram diferenças de preços entre regiões (estratégia conhecida como arbitragem).
Queda da volatilidade
Mas com a disparada da oferta de grãos na última década, as oscilações de preços ficaram mais limitadas. Em apenas quatro anos, o estoque global de trigo aumentou 42 por cento para um recorde de 253 milhões de toneladas, de acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA. No mesmo período, o estoque de milho se expandiu 66 por cento. Os preços dos dois grãos caem há quatro anos seguidos.
A volatilidade histórica em 60 dias no Subíndice Bloomberg de Agricultura — que acompanha contratos futuros para oito commodities, incluindo trigo, milho e soja — recuou mais de 70 por cento desde que atingiu seu auge, em 2008.
Ganhar com arbitragem também ficou mais difícil. Graças a mídias sociais como o Twitter, a informação aberta ao público é transmitida mais rapidamente e mais gente fica a par de problemas climáticos, situações de excesso de oferta e outros detalhes que as tradings costumavam saber primeiro por causa dos vínculos com produtores rurais.
“Os últimos dois anos foram bastante duros para os intermediários”, disse Hamza Khan, estrategista-chefe de commodities do ING Groep, banco de Amsterdã com tradição em empréstimos a empresas de recursos naturais. “Eles costumavam se beneficiar da arbitragem por causa do maior acesso a informação e não é mais o caso.”
Lucros espremidos
Margens de lucro menores também estão prejudicando negociadores regionais. A Union InVivo, maior exportadora de trigo da França, planeja reduzir o quadro de pessoal na divisão de negociação em quase um terço após uma colheita desastrosa. A negociadora alemã de grãos e oleaginosas BayWa também encolheu a unidade de exportações na Holanda para se concentrar em seus maiores mercados.
A globalização e novas tecnologias tornaram os mercados mais transparentes e, assim, produtores e processadores podem acessar o mercado internacional diretamente — exportando, importando e negociando de acordo com suas necessidades de hedge, explicou Jean-Philippe Everling, presidente da trading francesa TransGrain, durante um encontro setorial em Paris em 27 de janeiro.
“Isso deixa cada vez menos espaço e diminui as margens das grandes casas de negociação de grãos”, disse Everling, que trabalha no ramo há mais de 30 anos. “Tem havido pouquíssima volatilidade no mercado de grãos neste ano e talvez as tradings tenham se expandido demais.”