Uma conversa com os advogados repentinamente famosos do Panamá

Por Blake Schmidt.

Durante décadas Jürgen Mossack e Ramón Fonseca eram os mais indicados no Panamá para os investidores internacionais que procuravam manter seu dinheiro em lugares distantes.

Mas antes mesmo de o mundo conhecer seus nomes no domingo — em reportagens que apontaram que a empresa deles forneceu uma ajuda decisiva a líderes políticos de todo o mundo na movimentação de dinheiro para o exterior –, os advogados sabiam que sua parceria lucrativa havia começado a diminuir.

Durante uma entrevista de quatro horas na semana passada, Mossack e Fonseca soavam como dois homens em retirada: o auge da formação massiva de empresas de fachada para os clientes havia acabado; a empresa vem considerando reduzir sua franquia internacional; e Mossack expressou frustração sobre como as ambições políticas de Fonseca estavam rendendo a eles uma indesejável atenção dos órgãos reguladores e da imprensa. Apenas alguns dias antes, Fonseca havia deixado o cargo de assessor especial do presidente Juan Carlos Varela, dizendo que queria concentrar suas atenções nos negócios.

“Teremos que ficar do tamanho certo — menores”, disse Fonseca. Para o codiretor de uma empresa que ao longo das últimas décadas ajudou a revolucionar a forma de as empresas e os indivíduos ricos estruturarem seus investimentos pelo mundo — e popularizou as Ilhas Virgens Britânicas como um hub –, a declaração marca uma grande diminuição na ambição.

Muitos dos detalhes das operações da Mossack Fonseca foram revelados em documentos vazados que, segundo o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), mostraram como várias celebridades e líderes mundiais vêm escondendo bilhões de dólares por meio de bancos e empresas de fachada. (A Bloomberg News não faz parte do ICIJ e não sabia do vazamento quando a entrevista foi realizada, em 29 de março).

Entre aqueles que, segundo o ICIJ, usaram os serviços da empresa para ajudá-los a esconder dinheiro no exterior estão o presidente argentino, Mauricio Macri, o presidente ucraniano, Petro Poroshenko, e associados do presidente russo, Vladimir Putin. As autoridades desses países negaram irregularidades, assim como o escritório de advocacia, que disse em um comunicado que “não estimula, nem promove atos ilegais”. A empresa também se recusou a comentar sobre qualquer de seus clientes identificados nas reportagens. Na segunda-feira, Mossack disse em entrevista por telefone que o vazamento ocorreu porque os computadores da empresa foram hackeados e que um detetive externo havia sido contratado para investigar o caso.

‘Da Vinci’

Dos dois homens, Mossack, 68, de raízes alemãs, é quem exibe um domínio agudo das engrenagens do negócio. Foi ele que falou por mais tempo durante a entrevista em seu escritório, na Cidade do Panamá. O edifício é elegante, com uma fachada de vidro distinta, mas parece pequeno perto dos arranha-céus que dominam o distrito financeiro. Do outro lado da rua está o icônico F&F Tower, um edifício em forma de espiral que ajudou a dar à cidade, em franca expansão, o apelido de “Dubai das Américas”. Enquanto falavam, naquela manhã, os dois homens estavam ladeados pelo diretor jurídico e mais dois consultores. No total, a empresa emprega cerca de 500 pessoas no Panamá e em todo o globo.

Se Mossack é o sujeito da praticidade, Fonseca, 63, é um autoproclamado sonhador.

Ele diz que seus amigos o chamam de “Da Vinci” por seus interesses em política, legislação, negócios, cartas e filantropia. Ele escreveu meia dúzia de romances ao longo dos anos e por um tempo, quando jovem, considerou a possibilidade de se tornar padre.

Foi durante seu período como burocrata na Organização das Nações Unidas em Genebra, quando estava rodeado de advogados internacionais, que Fonseca afirma ter sido atraído pelo misterioso mundo dos negócios offshore. “Um dia me ocorreu que eu também poderia fazer aquilo”, disse ele. “Eu criei meu pequeno escritório, deixei a ONU e comecei com uma secretária para criar e vender empresas”. Ele se uniria a Mossack logo depois.

Como vender carros

A formação de empresas offshore virou rotina para corporações, fundos de investimentos, escritórios familiares e indivíduos bilionários. Jurisdições com impostos baixos, ou zero, oferecem lugares para estabelecer a sede de uma empresa ou para enviar e guardar dinheiro, ações corporativas, objetos de arte e outros ativos. A edificação de uma estrutura com essa finalidade normalmente custa apenas alguns milhares de dólares. Uma vez que os honorários são entregues a empresas como a Mossack Fonseca, a estrutura organizacional e operacional da entidade é elaborada e registrada na jurisdição local. Depois, são cobrados honorários anuais para manutenção da empresa.

Embora as holdings offshore muitas vezes estejam dentro da lei, elas também podem ser usadas para esconder riquezas. Desde a crise financeira de 2008 os governos ocidentais têm buscado lançar mais luz sobre os centros bancários offshore, argumentando que eles podem ser usados para sonegar impostos ou para esconder recursos ilícitos.

Ao abordar a questão da legalidade, Mossack gosta de traçar uma analogia com a indústria automotiva. Quando você cria centenas de milhares de empresas offshore, diz ele, algumas estão fadadas a terminar nas mãos de pessoas desonestas: esta é, simplesmente, a natureza do negócio, e não é culpa do fabricante. Ele fez uma referência ao fato de a Volkswagen ter realizado o recall de alguns de seus carros antes de um dos consultores da empresa sugerir que aquele não era o paralelo mais apropriado. A atenção à qual os sócios estão sendo submetidos, diz Mossack, decorre em parte de todo o sucesso deles ao longo dos anos.

Raízes na navegação

A história de como o Panamá se transformou em parada obrigatória no negócio de investimento offshore remete há quase um século, aos anos imediatamente posteriores ao término da construção do canal interoceânico.

O país centro-americano já estava se transformando na bandeira de escolha das empresas de navegação que buscavam evitar as regras trabalhistas e fiscais mais rigorosas em seus países quando as autoridades panamenhas basearam suas exigências para a incorporação de empresas nas leis de Delaware, estado americano que protege as informações sobre a propriedade. O Panamá não cobra impostos dos estrangeiros sobre rendimentos obtidos no exterior.

Embora o Grupo de Ação Financeira Internacional tenha elogiado recentemente os esforços de repressão à lavagem de dinheiro, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico chama o Panamá de “o último grande reduto que continua permitindo a ocultação offshore de recursos das autoridades tributárias e judiciais”. O gabinete da presidência do Panamá disse em um comunicado que pratica tolerância zero para qualquer operação jurídica ou financeira que não seja realizada com os mais elevados padrões de transparência.

Independentemente de as novas regras atenderem ou não os padrões da OCDE, o setor está sentindo o aperto, segundo Mossack e Fonseca. Uma lei implementada em 2011 exigiu que os agentes registrados no Panamá fornecessem informações sobre os clientes quando pedidas no caso de todas as novas corporações e as Ilhas Virgens Britânicas adotaram restrições ao processo de due diligence.

Trata-se de uma grande diferença em relação aos anos de rápida expansão, um período em que, segundo Mossack, ele e Fonseca costumavam manter um vasto inventário de “empresas de fachada” à mão porque os bancos chegavam a pedir até 100 de uma vez só. O vazamento de documentos deste fim de semana só vai aumentar os problemas da empresa, disse ele.

“A verdade veio à tona”, disse Mossack. “Agora teremos que arcar com as consequências”.

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