Wall Street escala programadores para negociar ativos

Por Sarah Ponczek e Dakin Campbell com a colaboração de Saijel Kishan.

O Goldman Sachs Group se deu conta de que tinha um problema.

Por anos, o banco de investimento recrutou os melhores programadores para auxiliar seu exército de profissionais a executar com software as estratégias de negociação de instrumentos financeiros. Esse papel ganha ainda mais relevância na era da automação. No entanto, os gurus de tecnologia que criariam o futuro frequentemente pediam as contas, enquanto os traders ficavam.

A solução do banco: registrar os programadores como traders plenos e ceder a eles o controle das mesas de negociação. A decisão já sinaliza quem comandará a divisão de negociação de instrumentos financeiros por décadas adiante.

Enquanto se preparam para lançar novas tecnologias, executivos experientes de Wall Street — incluindo Adam Korn, do Goldman, e Cathy Bessant, do Bank of America – estão tomando medidas que terão implicações substanciais sobre o tamanho e formato da força de trabalho do setor. Por um lado, inteligência artificial e outras novidades impulsionarão a carreira de pessoas com habilidades avançadas. Por outro, os gestores apenas começaram a entender como ajudar as pessoas com formação tradicional em finanças a acompanhar tudo isso – se possível.

As estratégias variam bastante.

O Citigroup está estimulando milhares de funcionários a aprender a inovar. A consultoria EY está fazendo experiências com o pessoal interno – incentivando consultores a aprenderem sozinhos sobre inteligência artificial e assuntos relacionados para se manterem relevantes. Bank of America e Wells Fargo estudam como ajudar seus empregados a evoluir.

O certo é que poucas funções em finanças serão preservadas, pois as instituições estão construindo sistemas de informática capazes de cuidar de tarefas rotineiras, negociação de ativos e até dos investimentos.

“A tecnologia será parte importante do trabalho das pessoas”, disse Vasant Dhar, professor da Faculdade de Administração Stern, da Universidade de Nova York. “Quem faz as coisas do jeito tradicional – sem procurar maneiras mais eficientes ou que não incorporam a tecnologia eficazmente – tudo isso será desvantagem.”

No Goldman Sachs, os programadores ganharam importância há anos, mas a mudança está mais acelerada, e o banco está contratando mais pessoas com formação quantitativa e em tecnologia, conhecidas internamente como “strats”.

Inicialmente, quando os traders começaram a repassar mais trabalho, os engenheiros descobriram que era difícil chegar a cargos acima dos deles. Regulamentos exigem que os supervisores das atividades de negociação de instrumentos financeiros tenham determinados certificados, o que impedia que os programadores comandassem as mesas de negociação. Logo, os executivos não conseguiam recrutar ou reter os melhores talentos.

“Francamente, não conseguíamos entender porque éramos recusados por pessoas a quem nós estávamos dando oportunidades de trabalho realmente empolgantes, na nossa visão”, lembra Korn, responsável pela estratégia digital da área de corretagem. “O motivo é que não estava claro para eles a trajetória de carreira que teriam.”

Problemas dos programadores

Korn entende o problema. Ele entrou no banco em 2002 para pesquisar microestruturas do mercado e foi sendo promovido. Hoje ele é sócio — o cargo mais alto na instituição — e tenta facilitar a ascensão de seus colegas.

Há alguns anos, ele ajudou o Goldman Sachs a lançar um programa piloto que oferece certificações aos “strats”, aumentando o potencial de ganhos e carreira deles. Eles ficaram conhecidos no banco como “traders que programam”, mas talvez seja mais adequado chamá-los de “programadores que negociam”. Agora, poucos estão pedindo demissão e mais deles estão sendo promovidos. Dezoito estão inscritos atualmente no programa, incluindo o próprio Korn.

Existem alguns benefícios. O programa ajuda o Goldman a garantir que as pessoas que usam o sistema de negociação compreendam como funciona, caso algo dê errado. As autoridades reguladoras também gostaram, mas o cerne da questão é a retenção de profissionais.

“Foi algo que precisamos fazer para manter alguns dos nossos engenheiros mais talentosos no Goldman Sachs”, disse Korn.

‘Se manter relevante’

No Citigroup, os funcionários estão sendo estimulados a pensar de modo diferente sobre seus empregos e sobre como atendem aos clientes, de acordo com Vanessa Colella, diretora de inovação e responsável pela unidade de venture capital.

Há dois anos, o banco lançou o programa Discover 10X, solicitando que os funcionários sugerissem novos produtos ou inovações. Alguns foram lapidados em um intenso processo que incluiu workshops, apresentações e estudos de viabilidade. As melhores ideias receberam financiamento adicional. Embora não tenha sido montado como treinamento, o programa ajuda os empregados a “explorar e abrir uma janela para um modo diferente de pensar”, disse Colella. “Isso tende a se expandir.”

Funcionários da EY logo poderão ganhar “distintivos” que sinalizam sua capacidade de trabalhar com novas tecnologias. A consultoria planeja estrear o programa em novembro, em escritórios espalhados por mais de 150 países. Os funcionários poderão demonstrar quatro níveis de conhecimento em temas “focados no futuro”, como inteligência artificial.

“O medo de ‘O que acontece se meu trabalho for automatizado e desaparecer?’ pode ser grande se não for substituído por ‘É assim que você pode se manter relevante’”, disse Nancy Altobello, vice-diretora de talentos da empresa.

Um catálogo vai guiar os trabalhadores por aulas online e presenciais. Depois, eles precisarão demonstrar o conhecimento por meio de atividades como participação voluntária em painéis, orientação de colegas ou redação de artigos.

Desde que a EY anunciou o programa, em agosto, clientes vêm perguntando como oferecê-lo a seus próprios funcionários. “Acho que haverá interesse do mercado, sem necessariamente nós precisarmos abordar as pessoas e contar para elas”, disse Altobello.

A abordagem de muitas grandes corporações ainda está em desenvolvimento. Sherrie Littlejohn, responsável por estratégias internas de inovação do Wells Fargo, afirmou durante uma conferência em junho que funcionários muito ocupados precisarão se adaptar.

“Nós vamos precisar de novas habilidades”, ela disse. No entanto, “estamos tão ocupados em manter as coisas funcionando operacionalmente que não enxergamos como criar espaço para ensinar, treinar e aprender — ou termos curiosidade sobre como faremos este novo mundo gerar frutos”.

Visão do Bank of America

Para o Bank of America, as companhias têm obrigação de preparar suas equipes para um universo dominado pela tecnologia.

“Nós que estamos em papéis de liderança sabemos o que vai acontecer, estamos ajudando o processo e sabemos quais são as habilidades de que precisamos”, disse Bessant, diretora de operações e tecnologia do banco. “Temos responsabilidade de guiar isso bem e de aprender as lições do passado.”
Bessant tem dúvidas de que o treinamento no próprio ambiente de trabalho será suficiente.

“As habilidades das quais vamos precisar terão de ser ensinadas em idade bem mais tenra”, ela disse. “Ainda não sabemos se dá para treinar um trabalhador ao mesmo tempo em que o trabalho dele muda.”

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