Yellen diz o que os mercados querem escutar

Por Mohamed El-Erian.

Os mercados tiveram uma reação imediata previsível aos comentários da presidente do Federal Reserve, Janet Yellen, na terça-feira, que interpretaram como sinais relativamente “dovish”sobre a forma de pensar do banco central mais importante do mundo.

Minutos após as declarações dela, os ativos de risco subiram, os yields dos bonds do governo caíram, o dólar se desvalorizou e o VIX teve um declínio. A continuidade dessa tendência exigirá dois sinais de política monetária, um de curto prazo e outro de longo prazo — considerando que o ambiente econômico global continua relativamente estável.

Ela usou seu muito esperado discurso no almoço do Clube Econômico de Nova York para pintar um quadro cauteloso e calculado da economia dos EUA e do delicado equilíbrio que os estrategistas de política monetária do Fed precisam manter.

A presidente do Fed reconheceu que o quadro geral confuso dos EUA para 2016 conteve os sinais encorajadores até o momento, incluindo o fortalecimento contínuo do mercado de trabalho. Contudo, ela também enfatizou riscos “externos”, como a desaceleração das condições econômicas globais, o nível do dólar e as reações do mercado à política cambial da China. Ela reconheceu até mesmo a influência de algumas adversidades estruturais sobre o crescimento e a incomum incerteza enfrentada pela perspectiva inflacionária.

Essa avaliação cautelosa da economia foi acompanhada por uma avaliação bastante calculada do que o Federal Reserve pode fazer para promover ainda mais o crescimento como parte de sua dupla função de manter máximo emprego e inflação estável.

Ela argumentou que o Fed não ficou sem munição de política monetária e salientou a necessidade de um gradualismo cuidadoso na formulação de políticas, com uma abordagem geral cautelosa — música para os ouvidos dos mercados, condicionados a depender do Fed para suprimir a volatilidade financeira e elevar os preços dos ativos. Mas ela também alertou sobre o nível de efetividade do banco central. E preferiu não se aventurar no debate sobre taxas de juros negativas, gerado pela decisão de seus pares na Europa e no Japão de derrubar as suas para abaixo de zero.

A julgar pela reação imediata, os mercados gostaram da mensagem geral dela, que interpretaram como um indicativo de uma continuação do apoio do Fed. Consequentemente, os preços das ações e dos bonds corporativos subiram dentro de uma alta geral dos ativos de risco. Os yields dos bonds do governo caíram quando os traders revisaram para baixo suas expectativas para o caminho futuro das taxas básicas de juros. O dólar perdeu valor e o VIX, comumente apontado como uma medida do temor do mercado, caiu.

Para sustentar esse movimento no curto prazo será preciso que a mensagem de Yellen seja respaldada por seus colegas do Fed nos próximos dias. Isto está mais do que certo.

Os sinais econômicos contraditórios, juntamente com as preocupações a respeito do dano colateral aos mercados e à economia causado pela excessiva e continuada dependência em relação a políticas excepcionais do Fed, levaram alguns integrantes do banco central dos EUA a entregarem uma mensagem mais cautelosa na semana passada. Alguns pareceram até sugerir que uma alta nos juros em abril era uma possibilidade real.

No longo prazo o desafio ganha uma dimensão maior. Mesmo se o Fed estiver disposto a levar adiante seu apoio excepcional aos mercados como uma forma de estimular a economia, a efetividade de sua abordagem não está nada assegurada. E isso não tem a ver apenas com a diminuição dos benefícios de uma política que está em vigor por muito mais tempo do que todos previram. Há também crescentes preocupações a respeito das consequências não intencionais do status hegemônico do Fed, incluindo o que isso implica para a estabilidade financeira futura.

Finalmente, e talvez o mais importante para o bem-estar dos EUA e das economias internacionais, a principal questão do importante discurso de Yellen pode ir além dos assuntos específicos que ela cobriu. Suas declarações e o contexto poderiam sugerir que, por motivos que vão além do controle dela, o Fed é cada vez mais refém de três forças que poderiam ameaçar sua própria credibilidade e autonomia política:

Os políticos, que repetidamente deixam de tirar vantagem do tempo que o Fed dá a eles, atrasando uma muito necessária resposta política abrangente para os desafios cíclicos e estruturais da economia dos EUA e também limitando a capacidade do país de ter um papel de liderança na coordenação global das políticas;

A economia internacional, que está perdendo tração em termos de crescimento, embora lentamente, em meio à convergência de dificuldades estruturais e cíclicas em um momento em que o contexto político se torna mais complicado na Europa e em algumas partes do mundo emergente;

Os mercados financeiros, que se sentem fortalecidos e habilitados a forçar uma ação do Fed — independentemente dos fundamentos econômicos e corporativos subjacentes.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Para ter acesso a notícias em tempo real entre em contato conosco e assine nosso serviço Bloomberg Professional.
 

Agende uma demo.