Por Fernando Travaglini, Felipe Marques e Vinícius Andrade.
Nem um dos piores meses na memória recente foi capaz de derrubar o otimismo dos gestores brasileiros com o país — mas serviu para deixá-los com um pé atrás sobre o espaço que os ativos ainda têm para subir em meio a um cenário externo mais incerto.
“Estamos bem positivos com Brasil. Se fosse uma ilha, estaríamos gigantes aqui — mas o que preocupa bastante é o externo,” diz Gustavo Pessoa, sócio-fundador da Legacy e um dos participantes do primeiro ‘Café com Mercado’, na sede da Bloomberg, em São Paulo.
Se o otimismo é consenso, em especial com a bolsa, os gestores discordaram na visão para a Selic. A poucos dias do Copom, a Legacy zerou sua posição em juros, vendo limite na atuação do BC, enquanto Jose Oswaldo Monforte, gestor da Vinland Capital e Carlos Menezes, sócio e gestor da Gauss Capital, seguem aplicados na curva curta, com aposta na “opção barata” de cortar a taxa além dos 5%.
Na conversa, o avanço de mais de 8% do dólar em agosto — e a atuação surpresa do BC — foi um dos grandes temas. Todos dizem que o movimento foi correto, e sinalizou uma autoridade monetária menos preocupada do que o mercado com o patamar de R$ 4,20 para o dólar.
No ‘Café com Mercado’, gestores, operadores e analistas conversam num café da manhã com a Bloomberg em São Paulo sobre o mercado e os pontos-chave para o curto prazo. Nesta edição:
- Carlos Menezes, sócio e gestor da Gauss Capital
- Gustavo Pessoa, sócio-fundador e gestor da Legacy Capital
- Jose Oswaldo Monforte, gestor da Vinland Capital
A maior dúvida: O BC e o dólar
O Banco Central vai segurar o dólar em R$ 4,20?
“Ficou a impressão de que o BC não está tão preocupado com esse nível quanto o mercado está”, diz Pessoa. Depois dos R$ 4,20, muda a dinâmica de volatilidade e “essa outra dinâmica é difícil de voltar atrás”. E se chegar no R$ 4,20 e o BC não aparecer? “Aí vai para o R$ 4,30 rápido.”
O BC de Campos Neto: Fora do mapa
O Banco Central de Roberto Campos Neto “não quer ser mapeado”, diz Menezes. Isso traz uma estratégia de intervenções às cegas, sem deixar ponto de referência, volume definido, ou muitos comentários — o que pode ser positivo. Mas o gestor da Gauss acredita que o BC não deixaria a moeda subir rapidamente de R$ 4,20 para R$ 4,30. “Acho que ele é muito mais ativo no mercado do que outros banqueiros centrais.”
Pessoa e Monforte, por outro lado, veem o BC menos atuante. Para eles, a equipe de Campos Neto entrou mais tarde do que outras teriam feito. Mas, também se mostra mais disposta a usar outros instrumentos. A venda do dia 27 de agosto, por exemplo, foi necessária para equalizar a liquidez do mercado spot, pois as atuações combinadas ainda não tinham tido tempo suficiente para ajustar o mercado de cupom cambial, afirma Pessoa.
Nenhum dos três acredita que a estratégia seja exclusivamente para vender reservas internacionais. Monforte diz que o BC vai esperar pela necessidade. “Se chegar a R$ 4,40, ele pode vender.”
Potencial surpresa: Juros abaixo de 5%
Com a Selic a 5% quase precificada, a questão é se Campos Neto pode ir além. “O crescimento vai ser muito tênue nos próximos trimestres, vai haver espaço para se considerar cortar juros além do 5% — vemos espaço para ir até 4,5%,” diz Monforte.
Para a Gauss, o BC tem uma “opção barata” de ir além de 5%. “É uma posição que consome pouco risco, pelo tamanho, mas que tem um potencial de surpresa positiva bem interessante,” afirma Menezes. A chave para um corte mais acentuado pode depender do câmbio, segundo Pessoa.
O consenso: A bolsa brasileira
As três gestoras carregam uma posição comprada na bolsa brasileira. A Gauss tem preferido ações de varejistas e está vendida em bancos, em função da concorrência com as fintechs. A Vinland, por sua vez, tem focado mais em empresas que se beneficiam de agenda de privatizações.
A Legacy, que também gosta de consumo, destaca o processo de transformação da Petrobras — além da possível venda da área de refino. “Não tendo mais intervenção pública e saindo de distribuição e refino, que têm pouca rentabilidade, a companhia pode ir para o supra sumo de exploração de petróleo, o pré-sal”, afirma Pessoa.
No radar: Cessão onerosa, câmbio e atividade
Na visão dos gestores, assuntos importantes para a economia muitas vezes são deixados de lado pela mídia, enquanto polêmicas ganham os holofotes. A cessão onerosa, por exemplo, mereceria mais atenção pelos efeitos que pode ter tanto sobre a atividade como sobre o câmbio. Nas contas da Gauss, a cessão pode ter um impacto positivo na casa de R$ 400 bilhões em dez anos, começando em 2020 caso o leilão aconteça neste ano.
No câmbio, a cessão pode trazer cerca de US$ 20 bilhões, “uma grande ajuda para o mercado spot — e vai fazer preço”, diz Pessoa. “O modo que passou no Senado, sem nenhum voto contra, mostra que é um tema de interesse geral.”
Lá fora: ‘Horror’ mexicano, guerra comercial
Política fiscal contracionista, governo que quebra confiança dos empresários e dados de atividade apontando para baixo fazem do México um “show de horror de atividade”, diz Pessoa, que está apostando na queda da bolsa do país. Na Vinland, a aposta é na queda de juros por lá no curto prazo, com um ciclo de cortes longo e profundo que “só começou,” afirma Monforte.
Os três apontaram o exterior como principal risco para o Brasil, em especial os efeitos da guerra comercial, que não deve ser resolvida tão cedo.
Jogo rápido: As apostas
- Gauss: Posição aplicada nos juros mais curtos é a aposta mais segura
- Legacy: Posição vendida em S&P 500 — por uma boa assimetria — e na bolsa mexicana. Gestora também tem vendido dólar contra o real brasileiro — real “deve trabalhar abaixo de R$ 4,20”, diz Pessoa. Zerou posição em juros do Brasil
- Vinland: Em Brasil, maior posição está na parte curta da curva de juros, em meio à visão de que o Banco Central deva reduzir a Selic em pelo menos mais 1 ponto porcentual